quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

O desmantelamento do programa HIV/AIDS e a questionável politica de abstinência sexual




Quando se pensa a saúde pública, é mister estudar as demandas mais relevantes para que se possa estabelecer programas de saúde que beneficiam a todos aqueles que necessitam. Trata-se de estatística. Fato relevante. Trata-se de ciências! Prioriza-se o programa de acordo com a equidade, um dos pilares fundamentais do SUS, ou seja, pensa-se mais naqueles que mais precisam e menos a quem requer menos cuidados, até o momento em que todos deixam de requerer cuidados a mais ou a menos. A partir desse momento, estabelece-se uma igualdade no tratamento.

O programa de controle HIV/AIDS do Ministério da Saúde já foi considerado um dos melhores do mundo. Desde 1996, distribui gratuitamente os medicamentos a todos as pessoas que vivem com HIV. Esse fato fez, aliado a outras medidas preventivas, fez com o que a velocidade da disseminação das infecções diminuísse consideravelmente. Porém, há um risco do programa se desmantelar. A fala do presidente não parece apenas uma fala isolada e mal colocada. Logo que assumiu, importante mudança foi feita no "Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das IST, do HIV/Aids e das Hepatites Virais", órgão que era responsável pelas políticas de prevenção, controle e tratamento de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). O Departamento foi extinto e suas atribuições passaram a ser responsáveis pelo “Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis”. O governo se antecipou afirmando que nada mudaria, mas o foco deixou de ser as ISTs para ser distribuído a diversas doenças crônicas. Lembrem que sempre foi uma ideia do presidente cobrar pelas medicações antirretrovirais - basta dar um google para verem essa declaração.

Junto desse desmantelamento lento, vem a questionável política "Tudo a seu tempo", que prega abstinência sexual para adolescentes. Essa política de abstinência sexual já se mostrou falha em diversos países em que ousou ser aplicado, tanto para o controle de gestações não planejadas como na prevenção de ISTs. Alguns governos de países africanos já tentaram instituir a abstinência sexual com o objetivo de controlar a epidemia do HIV/AIDS. O que se viu, no entanto, que a realocação de recursos para esse programa fez com que outros programas de prevenção ficassem deficientes. A população não deixou de ter relações sexuais e sem os métodos cientificamente comprovados de prevenção ao HIV/AIDS, a incidência das infecções aumentou consideravelmente.

Estudo publicado na Journal of Adolescent Health, em 2017 (v. 61, n.3, p 400-403), apontou que alguns estados dos EUA, na década de 80, também já promoveram campanhas semelhantes. O resultado foi frustrante: não freou o número de gestações não planejadas, deixou sem recursos programas de combate às ISTs, focou exclusivamente nos relacionamentos heterossexuais (ignorando a população LGBTQIA+) e estigmatizou as pessoas vítimas de abuso sexuais - já que de certa forma, elas "agiram" contrárias ao programa.

A lógica é simples, priorizando tais programas falhos (como os de abstinência) sobra menos recurso para aqueles realmente importantes: distribuição de preservativos ou mesmo de medicamentos (lembrem-se sempre i = i, ou seja, indetectável é igual a intransmissível). Ao que parece, estamos diante de um governo que finge não conhecer o significado real de saúde pública. Perde-se assim, recursos. Perde o Brasil. Perdem todos os brasileiros. O fim da política de prevenção e controle do HIV/AIDS (e distribuição de medicamentos faz parte deste programa) fará com que se aumente o gasto público com as complicações da infecção pelo HIV. E quem arcará com essa despesa? O SUS... o governo. Ou seja, antes que esse governo acabe com o SUS, ele gastará muitos mais milhões do que gastaria com programas de prevenção. Programas baseados em ciência. Em literatura científica confiável. Modelos de saúde replicáveis e eficientes. Definitivamente, não há espaço para crenças no trato da saúde pública.

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